Républica dos Desafectos, S.A.

New post

Title: O Hemicirco de São Bento
Subtitle: Volta às Autárquicas ou tournée nacional?
Date: 2025-10-11
Category: Crónicas Avulsas
Project: República dos Desafectos, S.A.

Nas duas últimas semanas, percorri as notícias do dia.
Na rádio, em destaque, a campanha para as eleições autárquicas.
Ouvi com atenção — talvez por teimosia, talvez por esperança.
Mas o que encontrei foi o silêncio.
O silêncio das ideias.

Não ouvi uma única proposta concreta.
Nenhum plano, nenhuma visão para a rua onde moro, a escola que envelhece, o mercado que resiste, o bairro que muda.
Só slogans repetidos e aplausos cansados.

Consegui imaginar o esforço hercúleo dos presidentes dos vários partidos — ministros, deputados, figuras de cartaz — a percorrerem o país de Norte a Sul num só dia.
Foram como artistas itinerantes de um grande espetáculo nacional: desceram do carro oficial, distribuíram sorrisos, lançaram meia dúzia de frases sobre “proximidade” e “confiança”, e partiram para o próximo palco.

O público aplaudiu, porque assim mandam as regras do espetáculo.
E eles acreditaram que bastava isso — a coreografia e a fotografia — para conquistar o voto.

Mas o que ficou, para quem ouviu, foi um vazio.
O vazio de quem percebe que o poder local, o mais próximo de todos, foi engolido pelo mesmo hemicirco de São Bento.
As autárquicas, que deviam ser o exercício mais humano da política — a ponte entre vizinhos, a conversa na praça, o cuidado com o território — transformaram-se numa extensão do ruído central.

Como cidadã, como eleitora, senti tristeza.
E também revolta.
Porque quando a política se reduz a espetáculo, os cidadãos tornam-se figurantes.
E quando já não há espaço para ideias, o país fica entregue ao improviso — e ao aplauso automático.

Talvez um dia a política volte a ser o que devia: um serviço público, e não um palco.
Até lá, resta-nos o silêncio das propostas… e o barulho das palmas.